segunda-feira, 3 de agosto de 2009

O Avô do meu Avô

Por volta de 1996 descobre-se no sótão de uma casa no interior da França, uma carta postada no Brasil em 1832. Uma carta escrita no fim de uma vida, relatando a um irmão mais velho uma existência inteira cheia de aventuras. A partir dessa carta fascinante o pesquisador Vincent Mareaux escreveu o livro: “PIERRE VICTOR RENAULT – Um Pioneiro Francês no século XIX.” Pierre Victor veio para o Brasil de castigo. Na França de 1830 não era de bom tom ter desejos republicanos. Sendo filho de Prefeito, então, nem pensar! O pai de Pierre-Victor não pensou duas vezes. Sem uma lágrima nos olhos, ao lado da esposa chorosa, embarcou o filho de 21 anos para bem longe, ou seja, um remoto Brasil que oferecia o posto de engenheiro numa mina explorada pelos franceses nas Minas Gerais. Com uma mala na mão e sem nada nos bolsos aporta no Brasil um jovem que iniciaria uma vida de audácia e generosidade. Começo dificílimo no Novo Mundo: a mina para a qual trabalharia fora vendida. O jovem quase foragido ficou sem mina, nem eira nem beira. Vendeu as roupas preparadas pela mãe para a viagem: roupas francesas! Depois de levar muita porta na cara foi contratado como contador mais pelos seus dotes de jogador de xadrez do que pela contabilidade em si. A condição do contrato era que jogasse com o patrão além do expediente. Xeque-Mate: juntou dinheiro! Depois de dois anos apresentou-se ao presidente da província para conseguir um emprego de engenheiro. Conseguiu. Teria que atravessar um terreno freqüentado por índios antropófagos liderando uma expedição pioneira. Desbravou terras e mais que isso ganhou a confiança dos índios e aprendeu a língua deles. Ganhou também a confiança do governo. Tornou-se estudioso das reservas minerais, fauna, flora e tribos indígenas e suas línguas. Outras expedições vieram, mas a saúde debilitou-se em expedições dignas de um Indiana Jones. Produziu diversas pesquisas sobre o uso medicinal das plantas. Cultivou e batizou uma orquídea, até então desconhecida. Publicou uma grande novidade na época: o “Sistema Métrico Decimal”. Editou diversas obras: “Tesouro das Famílias”, livros didáticos de Geografia, Aritmética e Linguagem traduzidos para o francês. Fundou o Colégio Renault, onde foi professor de Matemática, Geografia e História. Foi vice-cônsul da França. Virou nome de Rua em Barbacena. Casou-se, teve 13 filhos e deixou mais de 500 descendentes, hoje espalhados pelo Brasil. Pierre Victor foi exilado pelo próprio pai, nunca reviu sua família ou seu país. Uma carta perdida, mais de um século depois, fez as famílias francesa e brasileira se conhecerem. Hoje, lembro sempre do primeiro Renault que chegou sozinho, sem nada, no Brasil. Ele atravessou florestas, foi amigo dos índios, aprendeu com as plantas, cuidou de doentes, ensinou ciências, publicou livros. Quando a vida não me parece fácil, lembro que além de tudo, ele ainda plantou orquídeas.
Revista Poder
Foto Arquivo: Pierre Victor Renault