Não sei se Bandeira escreveu "Os Sapos" em Recife. Mas o sapo da escultura de Charles Ray (Bienal de Veneza) me fez lembrar dos sapos de Bandeira, que por sua vez nasceu na...Veneza brasileira! O que isso representa? Nada. Chama-se apenas: associação de ideias...
Charles Ray, Boy With Frog
Punta della Dogana, Veneza +
Os Sapos, Manuel Bandeira
Recife
Enfunando os papos,
Aos pulos, os sapos.
A luz os deslumbra.
Em ronco que aterra,
Berra o sapo-boi:
- "Meu pai foi à guerra!"
- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".
O sapo-tanoeiro,
Parnasiano aguado, Diz:
- "Meu cancioneiro
É bem martelado.
Vede como primo
Em comer os hiatos!
Que arte! E nunca rimo
Os termos cognatos.
O meu verso é bom
Frumento sem joio.
Faço rimas com
Consoantes de apoio.
Vai por cinquenta anos
Que lhes dei a norma:
Reduzi sem danos
A fôrmas a forma.
Clame a saparia
Em críticas céticas:
Não há mais poesia,
Mas há artes poéticas...
" Urra o sapo-boi:
- "Meu pai foi rei!"
- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!"
- "Não foi!".
Brada em um assomo
O sapo-tanoeiro:
- A grande arte é como
Lavor de joalheiro.
Ou bem de estatuário.
Tudo quanto é belo,
Tudo quanto é vário,
Canta no martelo".
Outros, sapos-pipas
(Um mal em si cabe),
Falam pelas tripas,
- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".
Longe dessa grita,
Lá onde mais densa
A noite infinita
Veste a sombra imensa;
Lá, fugido ao mundo,
Sem glória, sem fé,
No perau profundo
E solitário, é
Que soluças tu,
Transido de frio,
Sapo-cururu
Da beira do rio...