domingo, 16 de agosto de 2009

Manuel Bandeira, Recife, Charles Ray e Veneza

Não sei se Bandeira escreveu "Os Sapos" em Recife. Mas o sapo da escultura de Charles Ray (Bienal de Veneza) me fez lembrar dos sapos de Bandeira, que por sua vez nasceu na...Veneza brasileira! O que isso representa? Nada. Chama-se apenas: associação de ideias...

Charles Ray, Boy With Frog

Punta della Dogana, Veneza +

Os Sapos, Manuel Bandeira

Recife


Enfunando os papos,

Saem da penumbra,

Aos pulos, os sapos.

A luz os deslumbra.

Em ronco que aterra,

Berra o sapo-boi:

- "Meu pai foi à guerra!"

- "Não foi!" - "Foi!" - "Não foi!".

O sapo-tanoeiro,

Parnasiano aguado, Diz:

- "Meu cancioneiro

É bem martelado.

Vede como primo

Em comer os hiatos!

Que arte! E nunca rimo

Os termos cognatos.

O meu verso é bom

Frumento sem joio.

Faço rimas com

Consoantes de apoio.

Vai por cinquenta anos

Que lhes dei a norma:

Reduzi sem danos

A fôrmas a forma.

Clame a saparia

Em críticas céticas:

Não há mais poesia,

Mas há artes poéticas...

" Urra o sapo-boi:

- "Meu pai foi rei!"

- "Foi!" - "Não foi!" - "Foi!"

- "Não foi!".

Brada em um assomo

O sapo-tanoeiro:

- A grande arte é como

Lavor de joalheiro.

Ou bem de estatuário.

Tudo quanto é belo,

Tudo quanto é vário,

Canta no martelo".

Outros, sapos-pipas

(Um mal em si cabe),

Falam pelas tripas,

- "Sei!" - "Não sabe!" - "Sabe!".

Longe dessa grita,

Lá onde mais densa

A noite infinita

Veste a sombra imensa;

Lá, fugido ao mundo,

Sem glória, sem fé,

No perau profundo

E solitário, é

Que soluças tu,

Transido de frio,

Sapo-cururu

Da beira do rio...