Fábula da Feijoada
Erenice Guerra foi atirada ao mar. Ou talvez seja melhor aderir logo à metáfora gastronômica de Lula, na entrevista de ontem ao portal Terra, na internet. Digamos, então, que a ministra morreu afogada na feijoada da Casa Civil. Como o Ratinho da fábula, que sucumbiu à gula na véspera do seu casamento com Dona Baratinha (aquela com "muito dinheiro na caixinha"), depois de dizer:
- Vou dar só uma provadinha na beirada da panela, pegar só um pedacinho de carne do feijão, e ninguém vai notar nada...
Nas palavras de Lula, "Erenice jogou fora a chance de ser uma grande funcionária pública". O presidente comparou as denúncias que a engoliram a uma feijoada, da qual seria necessário agora separar os ingredientes para saber o que "tem dimensão séria" e o que "é boato" ou "não tem profundidade".
Por um lado, soa quase como elogio, ou um prêmio de consolação; por outro, deixa a impressão de que nessa cumbuca tem mais coisas.
Um ponto é certo: se dependesse do governo Lula, ninguém saberia quais eram os pedaços do porco servidos no caldeirão do Planalto. Está claro, também, que Erenice foi rifada para não inviabilizar a festa de casamento de Dona Baratinha, que o PT insiste em fazer no dia 3.
Lula pode transformar o futebol em metáfora do mundo, tratar os eleitores como filhos ou comparar a corrupção a uma grande feijoada. Não tem, no entanto, como camuflar as evidências de que a Casa Civil estava sendo usada como um entreposto de traficância e familismo - tudo isso sob o seu nariz.
Há, decerto, banquetes mais lesivos ao bem público país afora. Também é verdade que a fisiologia e a corrupção não são estranhas a nenhum grande partido, do DEM e do PSDB à procissão de legendas que hoje se acotovelam ao redor de Lula. O caso Erenice, porém, é simbólico. E transmite da sua madrinha uma impressão muito ruim - de que ela nem na própria casa (civil) cuida bem do dinheiro na caixinha.
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Fernando de Barros e Silva, Folha de São Paulo de hoje.
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