quinta-feira, 26 de maio de 2011

Cenário: Lucia di Lammermoor_Rio_Maio_2011

  foto André Nazareth
Imaginei um penhasco, uma falésia, a ruína dos castelos onde vivem os personagens da ópera de Donizetti. Depois vi essas imagens na costa da Irlanda. Conta a lenda que um gigante para chegar na Escócia construiu com rochas esses "degraus".
A ação de Lucia se passa na Escócia.
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Lucia e a vertigem do amor
Lucia é uma heroína moderna, às avessas. Decidiu amar numa época onde o amor ainda não tinha sido inventado tal qual Hollywood o consagrou com direito a final feliz.
O terreno onde habita essa Lucia é labiríntico, causa vertigem; cheio de altos e baixos, profundezas, alturas e abismos. Estamos numa falésia, numa ruína, no fundo do poço ou prestes a decolar.
Dependendo do plano em que nos encontramos somos grandes ou mínimos – as competições ou mesmo a política nos ensinam isso.
O amor (invenção romântica) é a possibilidade de nos colocarmos no mesmo plano que o outro; nem sempre conseguimos. O desencontro é o drama. A impossibilidade é a tragédia. Lucia conhece todos esses patamares e degraus.
O amor existe ou é ficção? Criamos um enredo e num novelo nos embaralhamos?
Lucia se perdeu na novela que criou para si mesma? Ou queria exatamente isso, se perder?
Lucia é uma revolucionária e uma ficcionista. Inventou amar e elaborou para si uma tragédia cheia de sangue. Na história que teceu, se morre de amor, se falsificam cartas e existem fantasmas. Sim, eles são reais para ela assim como o paraíso e a harmonia celestial. Ela acredita nos juramentos e nas promessas.
A trama de Lucia é feita de melodias e também de palavras, mas ela adverte cantando: o que se sente não se diz, ou seja, o que se sente se canta!
Lucia vive ferozmente, mas tudo à sua volta, ou pior, ela mesma, pode a qualquer momento desabar. Lucia vive num castelo de cartas.
Lucia é feita de vertigem, é uma taça de cristal ou uma flor aberta cheia de pólen, mas para ela água também pode ser sangue.
Lucia vê a vida como uma música cheia de altos e baixos. Ela está presa num jogo macabro onde o amor apesar do sofrimento contém também alguma beleza ou mesmo uma promessa de eternidade.
Resumindo: como diria o personagem de Edgardo, apesar do vazio e da queda, as almas ainda podem se enamorar.
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A. R._Texto para o programa.